Chegamos à escola mesmo em cima da hora, e jurei para que naqueles três minutos de atraso a turma não tivesse decidido entrar na sala, porque dessa forma eu e o Afonso teríamos de entrar na sala, e interromper o silêncio, e isso seria estranho, realmente estranho...
-Vês princesa? Sã e salva!
-Ah.ah.ah engraçadinho...
Senti-o revirar os olhos, mas não me preocupei e adiantei o passo em relação ao dele. Quando entrei no corredor vi que ainda não tínhamos entrado. Aleluia, uma coisa boa neste dia de loucos... Entramos na sala e sentamo-nos nos lugares da manhã, ou seja, estava ao lado de Afonso... Outra vez. Os 90 minutos da aula deram para explorar o meu lado artístico, e, devo dizer, não ouvi uma única palavra da aula de ... Seria história? Ou filosofia?
O Afonso e o Gabriel passaram a aula a trocar olhares... A Inês mantinha-se de cabiz baixo, como se tivesse com uma bruta ressaca. Algo se passava, e duma coisa eu tinha a certeza,eu ia perceber o que...
Quando finalmente tocou, agarrei nos livros e meti a mala ao ombro. Fui das primeiras a sair da aula, e reparei que o Gabriel tinha ficado para trás, a ajudar a Inês a por-se em pé, enquanto o Afonso vinha praticamente atrás de mim.
-Vem comigo. - Agarrei-lhe o braço e puxei-o para o sentido contrário ao da multidão, e rapidamente ficamos "invisíveis".
Conseguimos sair pela porta das traseira da escola, e uma das coisas que eu amava nesta escola é que era rodeado por vastos campos de relva, com algumas árvores e banquinhos de madeira. Passei aqui grande parte das ultimas semanas. "Ah Carolina, vamos ver a tua nova escola?", "Vamos lá fazer a tua matrícula.", "Faltaram alguns documentos, podes ir lá leva-los?", e pronto, entre ir e vir arranjava sempre um tempinho para ir passear pelos parques que rodeavam a escola. Num desses dias decidi ir mais longe e descobri um lago, onde acredito que ninguém vá, porque está incrivelmente limpo, e situa-se numa clareira, onde acredito que ninguém se arrisca a ir... Excepto eu, porque eu gosto de arriscar.
-Onde estamos a ir? Sabes que o Gabriel e a Inês vão perceber que eu fui raptado. - Ele deixou soltar um riso, mas percebi pelo seu tom que ele estava tão ou mais tenso do que eu.
-Calma, estamos a chegar. Se eles precisam assim tanto se ti ao pé deles, eles que se juntem à festa, assim podem-me todos explicar qual é o meu papel no meio desta confusão...
-Sabes que mesmo que eu quisesse, e quero, não te posso dizer nada, não sabes? - Ele tinha parado de andar, aparentemente percebeu que já tínhamos chegado.
Parei também e virei-me para ele, de modo a encará-lo, apesar dos meus olhos ficarem ao nível do seu peito.
-Então há mesmo alguma coisa para dizer? - Enchi o peito de ar, para mostrar confiança que verdadeiramente não sentia... Eu queria uma resposta, e ia tê-la (apesar de não poder afirmar a ultima parte com certeza).
-Carolina, não insistas, não te vou dizer nada... - Os olhos dele passavam do chão para o lago para as árvores para os pés, mas eu queria que eles passassem e ficassem nos meus olhos.
-Afonso, eu preciso de saber! - Pus-me em bicos dos pés e olhei para ele com o olhar mais sincero que tinha.
Ele ficou a olhar para mim, quase como preso pelo meu olhar. Eu não o queria deixar ir, queria tentar ler-lhe os pensamentos, queria tentar descobrir a verdade, queria que aquilo que eu sinto quando olho para ele ou lhe toco não fosse mera coincidência. Queria que ele olhasse para mim com o Gabriel olha para a Inês, queria respostas...
Ele desviou os olhos por breves momentos para o meu colar. Um olhar que teria passado despercebido, se eu não tivesse a olhar fixamente para os seus olhos, a observar os seus micro-movimentos.
-Porque é que olhas-te para o colar, Afonso? O que é que o colar têm haver como o que tu me queres contar mas é assim tão secreto e confidêncial que não podes?
Os ombros dele ficaram tensos e voltou a encarar-me, mas desta vez provocou-me um arrepio na espinha e senti-me encolher como um cão com o rabinho no meio das pernas.
-Não te posso dizer nada, é assim tão difícil de perceber? É para teu bem! Eu não quero que nada de mal te aconteça. - Disse esta ultima frase devagarinho, para que eu a compreendesse.
Abri a boca, mas voltei a fechá-la. Ele aproximou-se de mim devagarinho, e colocou a mão na curva do meu pescoço.
-Eu não quero que nada de mal te aconteça. - Continuou a aproximar-se.
-Não! Se não queres que nada de mal ma aconteça então prepara-me para o que está para vir, ensina-me o que tenho de aprender, conta-me o que se passa, explica-me porque sou um perigo...
-É mesmo isso que queres saber? Queres mesmo saber o que tu és? O que é que eu, o Daniel e a Inês estamos aqui a fazer? Queres mesmo saber o significado desse maldito colar?!
-Quero! - Gritei.
-É de mais para ti, não estas pronta... Não vais simplesmente acreditar...
-Tenta...