quinta-feira, 4 de julho de 2013

Capitulo 7 (parte 2) - "o mundo calou-se"

      Afonso saltou do parapeito da janela, e tive de morder o lábio inferior para não soltar um grito.  Senti as minhas mãos a escorregar dos ombros de Afonso, e por mais que me tentasse agarrar, era escusado, já estava a cair. Não podia. Era um sonho certo? Será que se podia morrer depois de tudo o que descobri? Não deveria haver uma força sobrenatural a proteger-me, já que eu era assim tão importante?
       Morte, nunca tinha realmente pensado sobre isso. Seria doloroso? Provavelmente ia ser uma morte rápida, visto que ia ficar esborrachada no alcatrão, à porta de minha casa. O que é que a minha mãe pensaria quando percebesse que a sua filha tinha caído da janela do quarto? Certamente pensaria que foi suicídio. Ia ficar com o coração despedaçado. Será que ela ia saber o quando eu a amo? Será que alguém ia descobrir o meu diário de quando era pequena, que está tão religiosamente escondido debaixo duma tábua solta? Nunca iria acabar o secundário, nem tirar um curso… Se aquilo não fosse um sonho, se eu fosse realmente morrer por causa duma decisão estúpida, como é que ficaria a vida que devia ser minha? Como ficaria o homem que deveria ser o meu marido? Quem seriam os meus filhos? Será que as suas almas iriam para outras crianças? Para filhos de outras mulheres? E como ficaria o apartamento que estava destinado a ser meu? O que aconteceria à minha maneira de ver o mundo?
       Uns braços fortes agarraram-me a meros centímetros do chão. Agarrei-me com todas as minhas forças ao corpo que me tinha agarrado, e enquanto as lágrimas me desfocavam a visão, consegui perceber que era Afonso quem me agarrava. Estava de costas para o chão, e voltada para o céu. Em cima dele algo branco e grande movia-se como asas de um pássaro…  Asas… Eram mesmo asas! O susto fez-me agarrar ainda com mais força Afonso, que se ria como uma criança que tinha acabado de desembrulhar um brinquedo que realmente queria, na noite de Natal. Eu, por outro lado, estava em pânico e aposto que ele conseguia ouvir o meu coração a bater.
       -Tem calma, não te deixo cair!
       Assenti e enterrei a cabeça mais no seu ombro.
       Quando finalmente pisei terra firme deixei-me cair no chão e comecei a soluçar descontroladamente. Senti Afonso aproximar-se de mim e quando dei conta ele estava de joelhos à minha frente.
       -Ei, que se passa? – Afonso desviou-me uma madeixa da cara e consegui perceber que ele estava mesmo preocupado.
       -É que tive tanto medo…
       -Podes confiar em mim, nunca te vou deixar cair.
       Abracei-me a ele e deixei-me ficar assim por momentos. Não me apeteceu pensar em mais nada, tinha demasiadas coisas para assimilar, mas nenhuma delas parecia fazer sentido, então decidi simplesmente ignorá-las.
       Afonso agarrou-me pelos ombros e olhou, realmente olhou para mim.
       -Estás melhor?
       -Sim… Nós estávamos a…
       -Sim, voar. Desculpa não te ter avisado, esqueci-me que nem sabias que era possível, esqueci-me que poderias ter medo, terror até… Enfim, desculpa!
       -Não faz mal, a culpa não é tua… Mas… Como? Como é possível?
       -Queres que te mostre ou já chega por hoje?
       -Não, mostra-me!
       Afonso despiu novamente a camisola e fechou os olhos. Em milésimas de segundo umas asas romperam das suas costas, deixando uma dúzia de folhas a pairar no ar.
       Fiquei estupefacta a olhar para ele. Ok, ele era um anjo, já tinha interiorizado isso, mas como era possível? Era tão lindo, tão maravilhoso, tão brilhante, tão grande, tão suave. tão calmante... Tão perfeito para ser verdade. Dei um passo hesitante na sua direção e ele engoliu em seco. Não sabia se me devia aproximar, mas o desejo fazia com que com um passo a seguir a outro eu ficasse cada vez mais perto de Afonso. Tão perto que conseguia sentir o seu calor, a sua respiração profunda mais cautelosa. Estendi a minha mão para ele, e vi que termia. Quando estava a meros centímetros das suas asas um trovão explodiu sobre o mar e essas retraíram-se, desaparecendo tão rápido como tinham aparecido, e fazendo com que o meu cabelo me voasse para a cara.
        Afonso desviou-me a madeixa ruiva que tinha sobre a cara, agarrando-me no queixo para que olhasse para ele.
       -Não sou eu que as comando... Respondem-me, mas têm um comportamento próprio... É por isso que é raro as asas de um anjo deixarem que lhes toquem... Nunca ninguém lhes tocou, nem sequer chegou tão perto. - Não conseguia perceber a expressão nos seus olhos, tanto eram de felicidade como de terror.
        Estava demasiado petrificada para conseguir falar e apenas assenti com a cabeça. Por um lado estava ofendida por não ter conseguido tocar-lhe nas asas, mas pelo que ele disse, nunca ninguém tinha chegado tão perto... Será que isso era um sinal? Certamente... Mas seria um bom sinal?
       O silêncio estava a começar a tornar-se estranho e rígido, e sentia-me pequena e frágil enquanto Afonso me observava. E a verdade é que apesar do medo que me consumia, eu queria saber mais, queria conseguir dominar o que ele sabia dominar, queria deixar de ser a presa. Uma chama viva apoderou-se de mim e fez derreter o terror que me mantinha imóvel até ali.
       -Ensina-me! - Senti os olhos a brilharem de paixão.
       -Desculpa? - Afonso semicerrou os olhos, a tentar ler-me a mente.
       -Ensina-me a fazer o que fizes-te! Que consegues fazer mais? Para além de fazer crescer flores... E voar...
       -Ouve, não quero que te desiludas, mas não sei se tu também tens essa capacidade...
       -Por favor tenta ensinar-me!
       -Não sei se é boa ideia, Carolina...
       -Eu consigo, eu sei e sinto que consigo!
       -Sabes que ninguém pode saber disto não sabes? Era suposto estar a perceber o que é que esse maldito colar faz, não ensinar-te a mexer com a natureza!
       -É isso! Talvez eu não consiga fazer nada crescer... - Tirei o colar e deixei-o aos meus pés. Quando me aproximei do chão concentrei toda a minha força, e acreditei com todo o meu ser que algo ia acontecer. Fiz os mesmos movimentos que Afonso tinha feito anteriormente, e quando abri os olhos, apenas havia terra. Em cheio! - Mas o colar... O colar tem outro poder, tal como tu disses-te, certo? E temos de descobrir qual é! - Voltei a por o colar ao pescoço e fechei os olhos. Concentrei-me novamente na minha mão e senti um calor a sair dela, um formigueiro na ponta dos dedos. Era viciante, quente, mas ao mesmo tempo intimidador no seu esplendor. Quando abri os olhos vi uma pequena flor. Era frágil e não tinha a beleza da flor de Afonso, mas era inquestionavelmente uma flor. Um sorriso rasgou os meus lábios. - Vês? Eu disse que conseguia! Por favor ensina-me mais!
        Afonso ficou de olhos arregalados por momentos. Quando finalmente passou o choque inicial ajoelhou-se ao meu lado. 
       -Como é possível?
       -Eu sei que não está perfeita, mas é...
       -É uma flor! - Afonso soltou uma gargalhada e deu uma volta comigo no ar. - Ham, desculpa, entusiasmei-me...
       Sorri-lhe. Gostava de quando ele se entusiasmava...
       -E se usasses o colar? Já deu para perceber que ele dá bastante poder...
       -Queimo-me quando lhe toco, lembras-te?
       -Oh, pois... - Ficamos ambos em silêncio a pensar numa solução. - Já sei! Pode não resultar, mas dá-me a tua mão.
        Ele levantou uma sobrancelha, mas ao fim de hesitar por momentos entrelaçou os dedos nos meus.
       -Agora eu concentro-me em passar o que quer que chames a isto para ti, e tu concentras-te em fazer crescer a flor, está bem?
        Ele assentiu com a cabeça com segurança que nem eu sentia. Concentrei-me novamente no formigueiro que saia da minha mão para a dele, e senti-o a aquecer. A minha mão parecia fundir-se com a dele, duma maneira tão intensa que chegava quase a ser dolorosa, mas eu não queria que aquilo acabasse. Afonso largou-me a mão e abri os olhos. A flor era lindíssima e robusta, e apesar de ser a mais bela flor que alguma vez vira, era também a mais perigosa. Como poderíamos ter criado algo tão pelo e poderoso ao mesmo tempo?
        Olhei para o Afonso que estava tão estupefacto como eu. Os seus olhos brilhavam, e os lábios não conseguiam parar de sorrir... Os lábios.
        -Funcionou! - Afonso abraçou-me com tanta força que caímos os dois na relva. E com o seu olhar a cruzar-se com o meu, o mundo calou-se. As ondas que batiam nas rochas pararam de rebentar. O vento parou de soprar. Os animais adormeceram. Poderia jurar que até a Terra tinha parado de girar. E, sem aviso, Afonso beijou-me. Eu beijei-o. Beijamo-nos. Queria sentir cada pedacinho dele. Agarrei-lhe a cara e puxei-a mais para mim, enquanto entrelaçava os meus dedos no seu cabelo. e ele puxava a minha cintura mais contra o seu corpo. Num segundo o mundo gritou. As ondas rebentaram furiosas contra as rochas, o vento abanou as copas das mais fortes árvores, os lobos uivaram e a Lua brilhou mais intensamente que nunca. Com o barulho dum trovão as asas de Afonso romperam-lhe pelas costas. Afastamo-nos com o susto e olhámos um para o outro em choque. Não sabia o que tinha acontecido, mas uma coisas era certa, estávamos juntos nisto, e nada nem ninguém nos podia separar.

4 comentários:

  1. uau. isto está cada vez melhor e coise, quero o próximooooo *-*

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  2. Juro que fiquei apaixonada ahah

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  3. r: eu sei que sim, ele sabe isso, mas às vezes custa-me em que coisas sejam assim. obrigada pelo apoio linda :)
    oh, tu conheces, porque confio em ti verdadeiramente, mas o meu eu nem todos podem conhecer se não irão aproveitar-se disso. obrigadaaa ♡
    nem mais doce. é mesmo verdade. cada um faz o que quer, é verdade, mas sem consciência acho errado.

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  4. Estou a viver à quase 7 meses na suiça e sim xD há dias em que me divirto bastante, principalmente quando vou passear ou por aqui, ou para Itália, França, fica tudo perto :D Hje por exemplo estive por Itália, foi tão engraçado :)

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*SH