Ao longo dos
dias (ou das noites) Afonso foi-me treinando e juntos cada vez conseguíamos
fazer mais coisas. Desde trovoadas, até fazer crescer um pequeno arbusto.
Sabíamos que ninguém (e com isto digo Gabriel e Inês) podia saber que eu já
tinha recuperado a memória, pois iriam tentar apagá-la novamente. A explicação
de Afonso é que o colar guardou parte das memórias, ou pelo menos impediu o seu
"apagamento" total. E para além disso, eu não sou um humano normal...
Agora já consigo fazer uma pequena erva crescer, mesmo que não tenha o colar,
mas espero que em breve consiga fazer mais coisas... Nunca mais falamos
sobre o beijo, mas não passava um segundo sem pensar nele. Queria que se
repetisse, ou pelo menos saber o que ele pensa sobre isso. Às vezes, durante o
tempo que passávamos juntos a estudar, ele abraçava-me quando se entusiasmava
com algo que tínhamos feito, mas depois largava-me e afastava-se rapidamente.
Ele ia-me sempre buscar a casa, duma maneira pouco usual, e íamos até aos
penhascos uma ou duas horas por noite, e como resultado não conseguia dormir lá
muito tempo, o que me fazia andar tipo zombie o dia todo... Incluindo nas aulas
da Sr.Miriam, que já não gostava muito de mim para começar.
-Menina
Carolina, quer-me relembrar do que eu estava a falar?
-Hum, desculpe,
diga?
-Bem me
parecia. Se eu a apanho a dormir na minha aula outra vez, vai para a rua com
falta, estamos esclarecidas?
-Mas eu não...
-Não me
interessam as suas desculpas. Estamos esclarecidas?
-Sim... -
Baixei a cabeça e concentrei-me em ouvir o resto da interessantíssima aula.
Assim que tocou
para a saída a Sr.Miriam pediu-me para ficar para o final, e reparei que Afonso
olhou para mim com ar preocupado, assim como Gabriel e Inês.
-Não quero ter
de te mandar para a rua, és uma boa aluna. Passasse alguma coisa que me querias
contar? Sabes que me podes ajudar contar-me tudo o que quiseres.
-Sim, Stôra,
obrigada, mas não se passa nada, obrigada pela preocupação, se eu precisar já
sei com quem falar. - Esbocei o meu sorriso mais doce, mas na verdade estava
extremamente desconfiada. Porquê tanta simpatia dum momento para o outro?
-E que lindo
colar que ai tens. - A Sr.Miriam tinha um sorriso extremamente falso e um olhar
um pouco obcecado. Senti o colar mais quente no peito quando ela se aproximou.
-Sim, é um
colar de família, obrigada. Agora se me desculpa, tenho de ir almoçar. -
Esbocei novamente um sorriso doce e saí o mais rápido que pude.
Aquilo tudo
tinha sido muito estranho, e tinha de contar a Afonso o que tinha acontecido.
Senti o bolso a vibrar e tirei o telemóvel. Era uma mensagem de Afonso, parece
que se tinha antecipado a mim.
*O que é que a
Sr.Miriam queria?*
*Perguntou-me o
que se passa, se estava tudo bem, e para lhe dizer se precisasse de alguma
coisa... Mas isso não foi o mais estranho*
*Então?*
*Comentou o
colar... E quando se aproximou senti-o mais quente... Achas que aconteceu a ela
pelo mesmo motivo que acontece a ti?*
*Talvez... É
muito estranho, acho que vamos ter de falar com o Gabriel e a Inês, mas depois
falamos melhor... Hoje à noite vou até tua casa, está bem?*
*Está*
Passei o resto
das aulas com sono, e a dormitar enquanto a Anita se divertia a fazer desenhos
deveras traumatizantes na parte de trás do seu caderno.
Quando
finalmente as aulas da tarde terminaram fui para casa e acabei de fazer todos
os trabalhos que se iam acumulando ao longo da semana e finalmente chegou a
noite. Depois de jantar a minha mãe saiu, pois esta semana tinha ficado com o
turno da noite. Ela não gostava de me deixar sozinha à noite, mas eu não queria
que ela gastasse dinheiro em amas, além disso já não tinha 5 anos, e além disso
sabia que o Afonso ia estar comigo no inicio da noite. Fui para o quarto,
liguei o rádio e deitei-me em cima da cama. Começou a chover torrencialmente e
deixei-me envolver pelo barulho da musica misturado com o da chuva, e quando
estava mais "para lá do que para cá" ouvi umas batidas fortes na
janela. Era Afonso. Completamente encharcado.
-Estás
completamente molhado! Entra...
-Sim, começou a
chover quando vinha para cá... Acho que vamos ter de esquecer a nossa lição de
hoje.
-Pois,
imaginei... Tu vieste a...
-A voar? -
Afonso soltou uma pequena gargalhada, e olhou-me de forma doce. - Não tonta,
vim de mota.
-Ah... Então,
que achas que se passou?
-Não faço
ideia... Mas lembras do primeiro dia, quando a Inês teve aquela espécie de
visão, ou pressentimento... E eu levei-te para longe? Ela sente isso quando
alguém que não seja do céu está por perto. Achas que poderá ter alguma coisa a
ver com a Sr.Miriam? Mas por outro lado a Inês não se tem sentido assim...
-Pois, aqui o
anjo és tu, não sou eu... Mas achas possível haver algum tipo de camuflagem que
faça com que a Inês não sinta que ela não é do céu? E então aparentemente todos
os que não são humanos se queimam com o colar, não só os anjos...
-Sim, pode ser
isso, mas não sei se é possível... Podemos tentar pesquisar alguma coisa sobre
o assunto. A que distância é que ela estava de ti?
Posicionei-me
de modo a refazer a cena, e o colar começou a aquecer também, como acontecera
daquela vez.
-Sim, foi o que
aconteceu à bocado... E agora? Achas que devemos contar ao Gabriel e à Inês?
-Sim, mas não
hoje... Achas melhor contar-mos juntos? Se quiseres eu falo com eles sozinho...
-Não, vamos os
dois. - Falei com mais confiança do que o que sentia na verdade.
-Está bem.
Posso ir ao teu computador? Acho que não vai servir de muito, porque a internet
não deve ter muito sobre anjos e demónios, pelo menos não muito verdadeiro...
-Claro.
Sentei-me na cama e pus o portátil ao colo dele, que se sentou ao meu lado.
Enquanto ele abria a página da internet deitei-me, com a cabeça apoiada na
grande almofada que tinha na cabeceira da cama, e Afonso deitou-se ao meu lado.
Ele digitava rápido enquanto eu olhava para toda a informação massuda que
aparecia no ecrã do computador. À medida que a noite passava ia-me afogando na
almofada e os meus olhos começavam a ficar pesados.
-Se quiseres eu
posso ir embora... Vejo que estás cheia de sono, se calhar todas aquelas
sessões de treino não foram assim tão boa ideia...
-Não, podes
ficar. A minha mãe não está cá por isso podes ficar a noite toda. -
Arrependi-me logo daquelas palavras. - Ah, não era bem isto que eu queria
dizer... - Ele sorriu-me e eu senti-me a corar. Ainda bem que estava escuro. -
Mas não te espantes de eu adormecer, estou mesmo com muito sono...
-Sim, eu vou
continuar a pesquisar, e se for embora não te acordo.
-Está bem. -
Voltei a afundar-me na almofada e a minha visão começou a ficar turva.
*Afonso: on*
Carolina acabou
por adormecer depois duma hora a ver a pesquisa. Ela era tão linda! Se eu ao
menos pudesse dizer como gostei do beijo, como as minhas asas se abriram e o
quanto bom tinha sido a sensação dela quase me tocar. Se lhe pudesse dizer que
queria tomar conta dela para sempre, que não queria que nada de mal lhe
acontecesse. Que era perfeito tê-la aqui a dormir ao meu lado e ouvir a sua
respiração. E era também perfeito saber que nada de mal lhe ia acontecer... Não
esta noite.
Enquanto eu
digitava e não descobria nada de interessante Carolina suspirou e encostou-se
ao meu braço. Tentei por o braço à volta dos seus ombros, e ela apoiou a cabeça
no meu peito. Senti-la junto a mim era das sensações mais reconfortantes do
mundo, e eu não queria que acabasse. Desliguei o computador e deitei-me de
lado. Carolina, mesmo que inconscientemente aninhou-se no meu braço, e puxei-a
para mais junto de mim. Entrelacei os dedos nos dela, e deixei que ela
aproximasse ainda mais as suas costas do meu peito. Dei-lhe um beijo no cabelo,
e deixe-me adormecer ao som da sua respiração. Quem me dera puder ficar assim
todas as noites.
Se ela ao menos
soubesse o quando me despedaçou o coração ver o Gabriel a apagar-lhe a memória,
a tocar-lhe, a magoá-la. Se ela soubesse o que eu dava para mudar esse momento.
Se ao menos pudesse ficar assim com ela pare sempre. Mas não podia, havia muito
em jogo e seria pior para ela. Tinha de ser forte por nós dois, para não
magoá-la ainda mais. Nem que para isso tivesse de me magoar o dobro...
Lindo...
ResponderExcluirAdoro a tua história, fico sempre a espera do próximo :-)
Beijinho
Não sou mãe dele, apenas namorada, e isso não quer dizer que ele tenha que deixar de fazer as coisas dele..
ResponderExcluirEu confio nele tal como ele confia em mim :-)
As vezes sinto.me culpada por ele não sair :(
Ele deixou de sair por minha culpa, quer dizer desde que nos começamos a falar, eu não lhe pedi isso, nem queria que ele deixasse de fazer as coisas dele por minha causa...
Eu não posso deixar de fazer as minhas coisas, já nao faço muitas mas prontos... as únicas vezes que saio e para ir dançar ou ir ao café onde ele trabalha... por isso se eu não deixo de fazer as minhas ele não pode deixar de fazer as dele..
Beijinho
Sim eu nao o quero prender, cada um merece a sua liberdade...
ResponderExcluirNao percebo pk eles deixam de fazer tudo que faziam, tipo deixar de fazer certas coisas compreendo mas tudo nao...
Desde que confiemos neles podem fazer de tudo, mas se eles nao querem nao podemos fazer nada :)
Beijinho